Reggae Nation Station

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Entrevista sobre Karma com Pedro Kupfer







Para que possamos entender mais sobre karma, a Saraiva.com.br entrevistou o professor Pedro Kupfer. Pedro nasceu em Montevidéu, Uruguai. Hoje com 35 anos de idade, descobriu o Yoga aos 16 e desde aquele momento nunca parou de praticar. Considera o Yoga mais uma forma de vida do que uma atividade que simplesmente se faz dentro de uma sala. Viajou extensivamente pela Índia, aprendendo e residindo em diversas escolas e comunidades de Yoga. Atualmente mora em Florianópolis, onde ministra cursos e aulas e ensina esta filosofia prática aos detentos do presídio masculino da cidade. Em sua opinião, dizemos com freqüência "fulano tem um karma pesado" ou "sicrano pagou seu karma", sem entender ao certo o que é esse tal de karma.
por Adilson Rielo

Saraiva.com.br - No Yoga, qual é o conceito de karma?
Pedro Kupfer - A palavra karma é de origem sânscrita e deriva da raiz "kr", que significa fazer, agir, criar. O karma é o resultado das ações, a lei de causa e efeito. A teoria do karma afirma que a ação e a reação configuram dois aspectos da mesma realidade. Entretanto, a noção de karma não tem nada a ver com fatalismo ou determinismo - embora o efeito esteja potencialmente contido na sua causa - muito pelo contrário, é uma realidade que pode ser modificada, uma espécie de destino maleável.

Saraiva.com.br - Na sua opinião, por que no Ocidente temos a idéia de que o karma é uma coisa ruim?
Pedro Kupfer - Aqui no Ocidente pensamos que o karma seja uma espécie de fatalidade, algo ruim que acontece sem motivo aparente. Com freqüência dizemos: fulano tem um karma pesado ou sicrano pagou seu karma, sem entender ao certo o que é esse tal de karma. O conceito de karma no contexto do Yoga de Pátañjali não tem nada a ver com isso. Creio que isto acontece devido à nossa ignorância e a leviandade com que encaramos as tradições orientais, em geral, e o Yoga em particular. Para entender que a lei de causa e efeito não é nem boa nem ruim, é preciso estudar seus mecanismos. O karma não é nem bom nem ruim. Isto pode parecer incompreensível se não for melhor explicado: pense que alguém é condenado a ficar numa cadeira de rodas, sem movimento algum do corpo, a não ser dois dedos de uma das mãos. Sem poder falar nem mexer-se, sem absolutamente nenhuma independência para fazer os mínimos movimentos do cotidiano, você poderia imaginar a vida desta pessoa como uma longa espera pela morte, uma espécie de vegetal consciente e desesperado. Pois então, pense que essa pessoa existe mesmo e que ela deu um jeito de receber o Doutorado em Cosmologia na Universidade de Cambridge, onde ocupa a cadeira de Newton como professor de Matemática! Essa pessoa é Stephen Hawking, autor do best seller “Uma Breve História do Tempo”, considerado por muitos como o mais brilhante físico teórico desde Einstein. Talvez, se ele não tivesse que ficar sentado na cadeira de rodas, não teria tido a oportunidade de explorar os limites da astrofísica e da natureza do tempo e do universo. Talvez, Stephen Hawking fosse, sem cadeira de rodas, ao invés de um prêmio Nobel de física, apenas um medíocre jogador de futebol. Então, ficar uma vida inteira num cadeira de rodas é ruim ou é bom? Depende da sua perspectiva...

Saraiva.com.br - Quais são os tipos de karma?
Pedro Kupfer - Segundo o sábio Patañjali, referência obrigatória para todos os yogis, existem três tipos de karma: o karma que já foi criado e está acumulado, chamado prarabdha karma; o karma que está amadurecendo, como uma semente germinando, ou seja, que já foi criado, mas ainda não se manifestou, chamado sañchita karma e o karma que estamos criando neste momento presente, chamado kriyámana karma.

Saraiva.com.br - Para exemplificar os três tipos de karma, você tem o exemplo do arqueiro. Você poderia explicá-lo?
Pedro Kupfer - Na verdade, eu uso esse exemplo, mas ele não é meu; pertence à tradição do Yoga. Estes três tipos de karma se explicam assim: o arqueiro pega uma flecha da aljava, mira em um pássaro e solta a flecha. Imediatamente se arrepende, mas já é tarde e não pode voltar atrás: o pássaro morre. Este é o karma do primeiro tipo que mencionei acima, o que já foi criado e está acumulado, aguardando uma oportunidade para se manifestar. As flechas na aljava do arqueiro são seu reservatório karmico, o segundo tipo de karma: ele pode escolher se irá tirar uma flecha da aljava ou não, e em que direção irá apontá-la. A flecha que ele segura no arco, pronta para ser disparada, é o karma atual, aquele que estamos gerando neste preciso instante.

Saraiva.com.br - É possível, então, mudarmos o nosso karma?
Pedro Kupfer - Claro! Entretanto, talvez esse aspecto da lei de ação e reação seja o mais difícil de entender para nós, porque ainda vemos essa lei como algo fatalista, que exclui o livre arbítrio. Vivekánanda, um mestre de Yoga contemporâneo disse que o karma é a eterna afirmação da liberdade humana... Nossos pensamentos, nossas palavras, nossos atos, são fios de uma rede que tecemos ao redor de nós mesmos. Ou seja, o homem é intrinsecamente livre e responsável pelas suas ações. O Satapatha Brahmana, um dos mais profundos e antigos textos vêdicos, afirma que todos os homens neste mundo nascem moldados por si mesmos. Isto significa que estamos criando a nós mesmos a cada instante e podemos, através de um ato de vontade, nos transformar e transformar consequentemente nosso futuro. Com os karmas que ainda não se manifestaram e os que estamos criando agora podemos exercer o livre arbítrio. Podemos, como diz Pátañjali, evitar a dor que ainda não apareceu. Em relação ao karma que já se colocou em movimento, embora seja inexorável, se podem mitigar seus efeitos através de práticas de meditação e mentalização, ou de tarefas que coloquem o foco da pessoa fora do seu ego, como a ação social ou o trabalho pelo bem comum.

Saraiva.com.br - Quais obras literárias você indicaria para quem está interessado no assunto?
Pedro Kupfer - Acabou de ser editado em português pela Editora Pensamento um livro fundamental para entender o Yoga. Trata-se de A Tradição do Yoga, de Georg Feuerstein, um dos estudiosos que foi mais fundo na compreensão dessa filosofia. Também gosto muito de Yoga, imortalidade e liberdade, de Mircéa Éliade, editado pela Palas Athena, de São Paulo. Os livros de Swami Vivekánanda são muito bons, mas a obra imperdível para quem quiser acabar de entender definitivamente estas questões é a Bhavagad Gítá, em que Vishnu, encarnado como Krishna, ensina o príncipe Arjuna a viver em harmonia com o karma e o dharma - lei humana, tendo como pano de fundo a terrível guerra travada entre duas famílias nobres, primas entre si, os Pándavas e os Kauravas, que simboliza a dialética da vida. Arjuna nega-se a entrar em combate contra pessoas do seu próprio sangue, refugiando-se numa renúncia mal entendida. Entretanto, é convencido por Krishna sobre a inevitabilidade da ação, pois, desde que o homem está vivo, está sujeito à lei do karma, sendo-lhe impossível fugir à ação. Renunciar não significa subtrair-se à vida, isolar-se do mundo e da sociedade. Krishna propõe um Yoga em que ação e contemplação estão intrinsecamente ligadas. O que é necessário fazer é viver a própria vida executando as ações cabíveis a si mesmo, eliminando o apego aos seus resultados. Numa palavra, traz o Yoga para a vida secular, para aqueles que não podem renunciar às suas responsabilidades humanas - swadharma.

Nenhum comentário:

Postar um comentário